domingo, 3 de julho de 2011

Itamar Franco leva para a sepultura mágoa e rancores



Sérgio Lima/Folha


Itamar Franco levou para o túmulo uma mágoa. Resumiu-a em diálogo com um amigo mineiro: “Quando eu morrer, talvez me façam justiça”.
Ex-auxiliar de Itamar na Presidência, o amigo tocara o telefone para o hospital, no início de junho, com o propósito de animá-lo.
Tirou-o do sério ao injetar na conversa uma menção às homenagens que o PSDB organizava para marcar os 80 anos de FHC, festejados em 18 de junho.
“Se não fosse por mim, o Fernando Henrique seria hoje um professor universitário”, reagiu Itamar. “Já fiz 80. Quem se lembrou?”
Itamar faz aniversário dez dias depois de FHC. Completou 81 anos em 28 de junho. Na véspera, fora transferido para a UTI do Hospital Albert Einstein.
Internara-se para tratar de uma leucemia. Em meio a sessões de quimioterapia, desenvolveu uma pneumonia grave.
Morreu sem curar os ciúmes que nutria pelo ministro da Fazenda que ajudou-o a transformar-se no improvável que deu certo.
Tão certo que desceu ao verbete da enciclopédia como primeiro presidente civil a eleger o sucessor desde Arthur Bernardes.
Itamar queixava-se de não ser reconhecido como alguém que fez o sucessor. Pior: era como se FHC tivesse feito o antecessor, salvando-o do desastre.
Vice de Fernando Collor, Itamar virou presidente nas pegadas do impeachment. Parecia condenado a chefiar uma gestão meia-sola de dois anos.
Nos primeiros cinco meses, teve três ministros da Fazenda. Gustavo Krause e Paulo Haddad duraram 75 dias cada. Eliseu Resende, 79 dias.
Os ventos começaram a virar em 19 de maio de 1993. FHC encontrava-se em Nova York. Jantava na casa do então embaixador do Brasil na ONU, Ronaldo Sardenberg.
Súbito, Itamar telefonou. Passava das 23h. “Fernando, você está em pé ou sentado?” FHC sentou. Itamar disse que afastaria Eliseu Resende.
FHC ponderou em contrário. Mais uma mudança na sensível área econômica não lhe parecia adequado. E Itamar: “Você aceita ser ministro da Fazenda?”
O sondado simulou desinteresse. Chanceler, disse que estava satisfeito no Itamaraty. Mas não soou enfático: “Itamar, você é o presidente da República”.
Itamar combinou que, depois de falar com Eliseu, ligaria novamente. Não telefonou. Mandou ao “Diário Oficial” o ato que transferiu FHC do Itamaraty para a Fazenda.
Na manhã seguinte, informado da novidade, FHC telefonou de Nova York: “Mas você não me ligou!” Foi atalhado: “A repercussão está sendo ótima”.
Dois dias depois, já de volta ao Brasil, FHC assumiu a gerência da inflação. Antes, tinha horizontes curtos. Sem votos para voltar ao Senado, não o agrava a idéia de concorrer à Câmara.
Cogitava recolher-se para escrever um livro sobre a transição da ditadura para a democracia. Daí a mágoa de Itamar.
Afora a Fazenda, deu a FHC autonomia para montar a equipe que formulou os alicerces do Plano Real, base do palanque presidencial. Deu-lhe um horizonte.
Itamar preferia ser sucedido por Antonio Britto, então ministro da Previdência. Terminou cedendo a ribalta a FHC.
Ainda que aos trancos, Itamar imprimiu suas digitais no plano que levou ao fim da superinflação.
Passados no filtro do tempo, viraram detalhes a ranhetice, o fusca, os namoros, o Carnaval ao lado da mulher sem calcinha, pelo menos uma ameaça de renúncia...
O ciclo de homenagens ao aniversariante FHC foi fechado com ato suprapartidário no Senado, na véspera da morte de Itamar.
Afagado até por petistas, FHC perguntou a certa altura: “Será que eu já morri?” Lembrou que só os mortos são elogiados no Brasil.
Já recolhido à UTI, Itamar aguardava pela morte que, segundo a expectativa manifestada ao amigo, pode trazer-lhe o reconhecimento.